Na prática, o arcabouço fiscal é um conjunto de regras que têm como objetivo evitar o descontrole das contas públicas. Em outras palavras, a ideia é evitar que o governo gaste mais do que arrecada, o que traria mais previsibilidade às finanças públicas e mais confiança por parte de credores, investidores e agentes econômicos de forma geral. Teoricamente, com um cenário fiscal mais seguro, haveria espaço para uma queda da taxa Selic. Na economia, juros altos por um período muito prolongado de tempo acabam sendo nocivos à atividade produtiva. Isso porque o dinheiro mais caro impacta negativamente a atividade empresarial, o que pode gerar redução de renda, desemprego, e levar o país a uma recessão em determinadas situações.
QUAL A RELAÇÃO DO ARCABOUÇO FISCAL COM A DÍVIDA PÚBLICA? Como vimos, o propósito do arcabouço fiscal é estabelecer formas de controle da dívida pública. Imagine que os gastos de um país cresçam em uma proporção superior ao PIB (Produto Interno Bruto), e que o governo não dê nenhuma sinalização de que possam ser controlados. Nesse caso, a tendência é de que as finanças públicas passem a despertar insegurança frente aos credores, pois quando se gasta acima da geração de riqueza, teoricamente o risco de calote é maior. Logo, nessa situação, os juros acabam subindo, justamente para compensar o risco de emprestar dinheiro para um governo muito endividado. No entanto, juros altos encarecem o crédito, o que arrefece a disposição de se investir no setor produtivo do país. Com isso, a moeda local tende a se desvalorizar, o que pode agravar a inflação e, consequentemente, prejudicar o crescimento da economia e o poder aquisitivo da população. Ou seja, gastos públicos sob controle auxiliam a manter a confiança nos rumos da atividade econômica. No entanto, quando se fala em finanças públicas, há economistas que defendem o aspecto anticíclico da economia, o qual veremos agora.
POLÍTICA ECONÔMICA ANTICÍCLICA – Na economia, um movimento anticíclico, como o próprio nome sugere, significa atuar de forma contrária a um ciclo econômico, para que eventuais desequilíbrios possam ser impedidos ou corrigidos. Por exemplo, em períodos de prosperidade, com bons níveis de emprego e renda, é natural que haja um aumento na disposição para o consumo. Esse crescimento da demanda leva as empresas a produzirem mais, e, consequentemente, a aumentarem as suas receitas e resultados. Nessas horas, o governo pode aproveitar a fase de “vacas gordas” para aumentar a carga tributária e fazer uma reserva para períodos que, eventualmente, se mostrem menos aquecidos. Agora imagine a situação contrária, de atividade desaquecida, retração no consumo e desemprego, por exemplo. É nesse momento que entra a política econômica anticíclica, que permite ao governo gastar mais com estímulos para impulsionar a economia, mantendo o fluxo de bens e dinheiro em circulação. Ou seja, as reservas feitas no ciclo de expansão serão consumidas quando a população e as empresas precisarem de uma força extra. Conhecer esse caráter anticíclico é importante para entender as mudanças que o novo arcabouço fiscal trouxe em relação ao teto de gastos, conforme veremos a seguir.
COMO FUNCIONA O NOVO ARCABOUÇO FISCAL? Basicamente, as novas regras fiscais irão atuar em quatro pontos básicos:
1 – Crescimento das despesas atrelado ao aumento das receitas. – No antigo teto de gastos, o aumento das despesas públicas de um ano estava condicionado à evolução do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Isso significa que o governo só podia gastar o equivalente à inflação medida no ano anterior. Já o novo arcabouço fiscal prevê que o aumento de gastos acompanhe a evolução das receitas públicas, até o limite de 70%. Por exemplo, se de um ano para o outro a arrecadação crescer 2%, o governo só poderá gastar 1,4% a mais. Para chegar no valor que pode gastar no próximo ano, o governo usa como base as receitas primárias líquidas dos últimos 12 meses até junho do ano corrente. Por sua vez, as receitas primárias líquidas (ou não financeiras) são aquelas originadas de tributos, transferências recebidas de outros entes públicos e royalties, por exemplo, deduzidas das transferências obrigatórias a determinados entes. “Com as regras anteriores, em períodos de recessão era preciso cortar tanto os gastos que isso prejudicava o movimento de recuperação da economia. Os exemplos são muitos, basta ver a quantidade de obras públicas inacabadas que ainda temos. Ou seja, tínhamos um problema tanto na expansão quanto na retração econômica”, explicou Haddad no anúncio do novo arcabouço fiscal. Para o ministro, fazer as despesas acompanharem a trajetória da receita trará uma trajetória consistente de resultado primário. “Isso amplia o espaço para dar sustentabilidade às contas públicas, mas sem rigidez absoluta, pois as demandas sociais estão aí e precisam ser atendidas, de maneira responsável”, complementou. Ficam de fora dessa regra os gastos com saúde e educação, que sofreram drásticas reduções nos últimos anos. Essas despesas voltarão a ser reajustadas pelas regras anteriores ao teto de gastos, que previa crescimento de 15% da receita líquida para a saúde, e de 18% para a educação. Inclusive, o fundo da educação básica (FUNDEB) e o piso da enfermagem, que já foram aprovados pelo Congresso, também estão de fora das novas normas fiscais.
2 – Existe um teto e um piso para o aumento das despesas O aumento real das despesas (descontada a inflação) ficará dentro de uma banda que vai de 0,6% a 2,5%, já prevendo um teto e um piso para determinadas situações. Por exemplo: suponha que, de um ano para outro, o crescimento da receita primária líquida seja de 5%. Pelo cálculo dos 70%, seria permitido ao governo aumentar as despesas em 3,5% (ou seja, 70% de 5%). Porém, o teto do aumento deverá respeitar os 2,5%, justamente para que se possa formar uma reserva para períodos de maior contração na economia.
3 – Se a meta não for alcançada, a despesa deverá reduzir mais no ano seguinte O novo arcabouço fiscal também contempla o compromisso de reduzir o atual déficit fiscal, que é quando as despesas superam as receitas. De acordo com o governo, a proposta visa zerar esse déficit até 2024 e, a partir de 2025, alcançar um superávit fiscal de 0,5% do PIB, obedecendo uma banda de 0,25% para cima e para baixo. Ou seja, o superávit fiscal deverá ficar entre 0,25% e 0,75% do PIB a partir de 2025. Se isso não acontecer, para o ano seguinte as despesas só poderão aumentar em 50% sobre o crescimento da receita, e não mais 70%. Antes das novas regras fiscais, a meta de superávit primário era um valor fixo, o que, na opinião de Haddad, não fazia muito sentido. “Você não crava um número e sai correndo atrás dele com dois dígitos depois da vírgula, como se fazia no Brasil. Em vez disso, acompanha-se uma trajetória, e se as metas não forem atingidas e ficarem aquém da banda, há mecanismos de correção para o ano seguinte”, explicou o ministro. Piso para os investimentos, com flexibilidade caso as receitas cresçam acima do esperado. A proposta também contempla um piso de cerca de R$ 75 bilhões, corrigidos pela inflação de cada ano, para investimentos. Caso haja uma sobra de recursos superior à banda que vimos anteriormente, esse excedente pode ser utilizado pelo governo para novos investimentos em obras voltadas à população.
HAVERÁ AUMENTO DE IMPOSTOS? A prioridade do governo não é o corte de gastos, mas sim o aumento da arrecadação tributária. No entanto, afirmou que novos impostos ou majoração de alíquotas dos já existentes não estão no horizonte do governo.