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NATAL É OSSO – de Hugo Martins

Não me afeiçoo a nenhum credo religioso. Não me perco em vãs discussões acerca da existência ou não-existência de Deus. Leio a Bíblia Sagrada sem tomá-la como esteio para covardes e medrosos, que só buscam alento nela quando se veem emaranhados em problemas existenciais que não devem ser da alçada daquela ou daquel´outra  divindade.
Meu porto seguro se encontra nas páginas da grande literatura ou da filosofia, que se ocupam das inquietações humanas e matérias afins. Tendo em minha volta livros a mancheia, silêncio necessário e ausência de inoportunos, encontro-me num paraíso em que respiro paz, reflito, leio, escrevo, penso, ouço musica e mantenho-me no justo grau de distância e proximidade  necessárias ao convívio humano. Se nenhum homem pode ser uma ilha, sou, com muito gosto, uma península.
Alguns psicólogos pretensiosos, citando autores que nunca leram, a não ser as orelhas dos livros, ou os leram de afogadilho, dirão: isso não é estilo de vida, é fuga. Mando-os às favas e permaneço na minha bolha imaginária, assistindo ao espetáculo da vida…
Um dos livros bíblicos que frequento com certa assiduidade é O Eclesiastes, cuja autoria é atribuída a Salomão. Trata de temas eternos como a busca da felicidade, a fugacidade de tudo e o tempo que passa “nihil novi sub sole” (nada de novo sob o Sol). Acresçam-se: a preocupação humana com o acúmulo de riquezas, a sabedoria e o discernimento, a insensatez e a prudência. É livro que vale a pena ser lido seja pelo valor literário, seja pelas largas lições de filosofia disseminadas em suas páginas. Suas lições terão, para muitos homens, o gosto amargo do pessimismo bem próximo dos cínicos gregos Antístenes e Diógenes, cujo pensamento se encontra em pequenos fragmentos de textos ou em citações dos historiadores da filosofia.
Na filosofia ocidental não há um só filósofo que não tenha se voltado para a questão do fenômeno religioso. Afinal, é ele ínsito ao homem.  Mesmo que não tenham tangenciado o assunto, como o fizeram Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e Chardin, pra exemplificar, tomaram-no como tema, colocando o homem no centro de todas as atenções metafísicas e transcendentais.
Nos textos da grande literatura, existem mais análises sérias do problema religioso que determinadas obras de pastores e padres televisivos, espécies de novéis pregadores voltados para a salvação do homem  (não se sabe de quê), sempre de olho no sofrimento dos ingênuos e simples para deles angariar algum lucro imoral, resultante  do sermão bem entretecido em que se pescam ainda ameaças de castigo eterno no fogo do inferno.
O Natal não tem nada de religioso. Não precisa lembrar e enumerar os porquês. Estes já se tornaram lugar-comum repetido por ceca e meca. As árvores com ar de inverno europeu, as lapinhas, as luzes pisca-piscando, os presentes ao pé da árvore, a generosidade de São Nicolau, encarnada no velho pançudo com um saco nas costas, riscando os céus num carro puxado por renas estúpidas, tudo isso é o antinatal, constitui sucessivas crucificações do Cristo, pois, daquele cordeiro manso e amoroso, nada se pesca na suntuosidade dessa festa nada cristã.
Rabindranath Tagore (1861/1941), poeta indiano, prêmio Nobel de literatura em 1913, atinge com sublimidade, nos versos a seguir transcritos, a essência nua do que deveria ser o Natal. Não são necessárias muitas palavras… Basta sentir.
“Aqui é o estrado para os teus pés, que repousam aqui, onde vivem os mais pobres, mais humildes e perdidos”
“Quando tento inclinar-me diante de ti, a minha reverência não consegue alcançar a profundidade onde os teus pés repousam, entre os mais pobres, os mais humildes e perdidos.”
“O orgulho nunca pode se aproximar desse lugar onde caminhas com as roupas do miserável, entre os mais pobres, mais humildes e perdidos.”
O meu coração jamais pode encontrar o caminho onde fazes companhia ao que não tem companheiro, entre os mais pobres, mais humildes e perdidos.”