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Um estudo feito no Acre por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) chegou à conclusão de que pessoas que tiveram dengue têm duas vezes mais chances de desenvolver sintomas da Covid-19 quando infectadas pelo novo coronavírus. O resultado é um alerta para estados com significativos índices da arbovirose, como o Ceará.
Publicada na revista científica Clinical Infectious Diseases em 6 de maio, a pesquisa analisou amostras de sangue de 1.285 pessoas, coletadas em outubro de 2019 e em novembro de 2020 no município de Mâncio Lima, no interior do Acre.
Segundo o médico e professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da USP, Marcelo Urbano Ferreira, que coordenou o estudo, os pesquisadores começaram a relacionar as duas doenças quando investigavam por que algumas regiões do Brasil eram menos acometidas pela Covid-19 do que outras. E, dentre os fatores que justificariam essas diferenças regionais, se destacou a prevalência da dengue.
Descoberta
No entanto, ao analisar as amostras sorológicas, os estudiosos se surpreenderam: “a hipótese original do trabalho de que haveria uma certa proteção conferida pela dengue contra a Covid-19 era exatamente o contrário do que a gente encontrou”, disse Urbano. Segundo ele, a nova hipótese — ainda não há evidência científica que a comprove — é de que a resposta imunológica adquirida após a dengue pode levar a uma resposta mais inflamatória em casos de outras infecções que o indivíduo tenha depois. “Em outras palavras”, explica o pesquisador, “algumas infecções e algumas vacinas meio que ‘treinam’ nosso sistema imunológico para responder de uma maneira quando expostos a um agente infeccioso”. Keny Colares, consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), reconhece que o estudo tem ainda limitações, mas traz uma “ideia nova” sobre a interferência de uma infecção na outra. “Apesar desses vírus serem bem diferentes um do outro, o sistema imunológico que combate um combate o outro, e a gente tem visto na Covid-19 que algumas infecções ou mesmo vacinas podem interferir na forma como o sistema imunológico vai funcionar na hora de enfrentar [o coronavírus]”, ressalta.
Outras Hipóteses
Além disso, uma outra hipótese que, segundo Urbano, pode explicar o fato de a segunda onda da pandemia ser mais agressiva é que ela ocorreu simultaneamente ao período do ano em que a prevalência da dengue é maior. “Quando começou a pandemia da Covid-19 a gente já tinha saído do período mais crítico de transmissão da dengue, então, não teve muita sobreposição das duas epidemias. Já esse ano teve. Não é o único fator que explica essa segunda onda tão mais grave, mas a dengue pode ter sido um dos contribuidores.”, observa o médico. A interação sinérgica entre as epidemias de dengue e Covid-19 ocorre quando uma agrava a outra em diferentes níveis. Esse fenômeno é chamado pelos pesquisadores de “sindemia”. Além dos fatores biológicos, a sindemia pode ser ilustrada no momento em que, devido ao isolamento social para conter a Covid-19, os estados reduzem as visitas rotineiras dos agentes de endemias às casas das pessoas para controlar a proliferação de mosquitos vetores da dengue. Além disso, Urbano cita a subnotificação de casos da arbovirose e o não tratamento adequado dela, que pode levar a complicações. O pesquisador da USP também reconhece que as duas infecções têm características bem diferentes, mas, ainda assim, muitas semelhanças, inclusive, de sintomas.
Sobreposição de Infecções
Cerca de 20 dias atrás, o fotógrafo André Albuquerque, 26, foi diagnosticado com Covid-19. Ele diz que sentiu apenas dor de garganta. Mas, 14 dias depois, quando, teoricamente, deveria estar melhorando da doença, começou a sentir febre ininterrupta, dor no corpo, cansaço e moleza. Com medo de uma piora no quadro da infecção pelo novo coronavírus, o fotógrafo foi orientado a fazer novos exames laboratoriais. E foi aí que descobriu que, desta vez, estava com dengue. “Fiquei mais preocupado com a dengue porque ela me trouxe mais sintomas do que a Covid-19”, assume. André teme, também, pelas consequências de uma dupla infecção quase que simultânea. “Estou inchado. Ontem [quarta-feira, 12] passei 11 horas no hospital. Estava com muita dor no centro da barriga e deu [nos exames] que eu estava com o fígado inchado [inflamado]. Acho que por essa questão da Covid-19”, supõe. Embora a hipótese contrária [de que a Covid-19 pode agravar um caso de dengue] não tenha sido ainda testada pelos pesquisadores, Urbano não descarta a possibilidade. “A gente não sabe, mas é possível que gere uma resposta inflamatória mais exacerbada”, diz. Em palestra ministrada nesta quinta-feira (13) na 19ª Bienal da Academia Cearense de Medicina, o infectologista Ivo Castelo Branco alertou os colegas de profissão sobre as consequências da sobreposição de Covid-19 e arboviroses como dengue, zika e chikungunya. Disse: “Pra quem faz clínica, é importante saber que existe. […] A gente tem que estar atento”, cobrou. E ressaltou a importância de diagnósticos diferenciados para evitar confusões e tratar exatamente a infecção que está acometendo o indivíduo naquele momento. Fato é, segundo Keny Colares, que “a ciência precisa montar esse quebra-cabeça para tentar entender os diferentes fatores que determinam a evolução dessa doença [Covid-19] e aí ver se consegue propor novas formas de combater que sejam mais efetivas do que as que temos hoje”.
Cuidados
Em tempos de sobreposição de doenças e de reta final da quadra chuvosa, é preciso redobrar os esforços para controlar as arboviroses. Além disso, Ivo Castelo Branco lembra que a maior parte dos focos do mosquito estão em áreas residenciais e que, devido ao confinamento em casa provocado pela Covid-19, as pessoas acabam ainda mais expostas.
Estatísticas
Neste ano, o Ceará teve 4.174 casos notificados de dengue. Desses, somente 1.432 foram confirmados para a doença, a maior parte em Fortaleza, segundo o boletim epidemiológico de arboviroses publicado pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) no último dia 19 de abril.
Já em relação à Covid-19, do início do ano até esta quarta-feira (12), foram notificados 880.517 e confirmados 376.401 casos da infecção, a maior parte, também, na Capital (128.628), de acordo com o IntegraSUS.
FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE -14/05/2021